A situação em Angola é cada vez mais preocupante e nada indica haver interesse e capacidade da liderança para unir as lianas de descontentamento, impostas pela obsessiva e errónea estratégia de consolidação de poder, muito próxima da utilizada pelos imperadores romanos: César Augusto (nascido em 63 aC), que governou, absolutamente, por 45 anos, até à sua morte em 14dC através da força e temor, contra adversários e inimigos, seguiu-lhe as peugadas, Nero Cláudio César Augusto Germânico que comandou o império entre os anos 54 e 68, não se importando, num dado momento, de incendiar Roma, para imputar responsabilidades aos adversários, no caso, os cristãos.
Por William Tonet
Na França, Luís XIV, (05.09.1638 – 01.09. 1715), apelidado de “o Grande” e “Rei Sol”, governou desde os 5 anos, de 1643 até à sua morte, por 72 anos, sendo o mais longo reinado da História da Humanidade e que, o monarca, à pala de um certo desenvolvimento económico, ditatorialmente, decapitava inimigos, na célebre frase: “O Estado sou eu”!
O que o país assiste, neste momento (não está longe das realidades monárquicas, dos séculos passados), mais do que o desfile de vaidades umbilicais é a luta entre duas facções no seio do MPLA: a FFP (Facção Fora do Poder) de José Eduardo dos Santos e a FP (Facção Poder) de João Lourenço, que considera não se ter aboletado, milionariamente, no anterior período, logo, deve, legítima ou ilegitimamente, degolar, confiscar, arrestar, nacionalizar, até ao tutano, o património móvel e imóvel da FFP, mesmo que isso signifique, mais desemprego de trabalhadores, terceiros de boa-fé, fome e miséria de milhões.
No teatro o enredo principal é o assassinato público, da honra e nome dos integrantes da facção perdedora, a quem a justiça, olha de soslaio, tendo ciência, não ter roubado, “corruptamente”, sozinha, mas com todos irmãos/camaradas, que, chegados ao poder, lhes atira pedras letais, numa réplica da ascensão de Abimeleque, filho do rei Gideão, vide Bíblia, em Jz.9.1, que para consolidação do poder, não se coibiu de assassinar 69 dos 70 irmãos.
O cenário a persistir por falta de higiene intelectual, poderá repetir-se, em Angola.
Não está em cheque o adjectivo corrupção, que pelo seu efeito pernicioso deve ser combatido, mas tão-somente a forma como, fora dos marcos legais, ela se esgueira, em riachos selectivos, causando prejuízos incalculáveis e irreparáveis à maioria dos cidadãos, não só pelo irracional aumento dos impostos, numa cega adopção do fracassado neoliberalismo económico ocidental, como face ao encerramento das empresas e com isso, a instabilidade social, com o aumento dos MSTT (Movimento Sem Trabalho e sem Tecto); MD (Movimentos da Delinquência); MP (Movimento da Prostituição); MFB (Movimento da Fraude e Burla), nos últimos 36 meses, atingindo o assustador pico de 50 mil trabalhadores, sem trabalho e subsídios, segundo dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) e dos Sindicatos dos Trabalhadores.
O que tem o povo humilde e generoso a ver com a guerra entre duas facções, que actuam como se gangues criminosas se tratassem, cujo objectivo é o de causar o mal, colorir a corrupção, ao invés de a limitar e afastar dos corredores dos poderes públicos, sendo um cancro que deve ser combatido, apenas nos marcos de novas leis e uma séria reforma da Constituição e do Estado, para se expurgar esta erva daninha, instalada no poder, pelo MPLA, faz 45 anos.
O povo esperava um combate sério à corrupção, com resultados, na condição social e económica e não este desvario, onde a maioria dos cidadãos vive no limiar da pobreza extrema, as crianças fora do sistema escolar e ainda com carteiras de pedra e latas de leite, os hospitais públicos, carentes de tudo e com níveis de higiene próximos de pocilgas, enquanto a nova elite se banha, na exibição, no show-off e na retórica de um combate, que em todos os sentidos e domínios, apenas redunda em prejuízo, principalmente, porque os povos não comem corrupção, mas COMIDA!
A corrupção todos os homens de bem e amantes da justiça desejam o seu combate férreo e justo, nos marcos de uma verdadeira moralização dos órgãos públicos.
Enquanto continuar a ser tabu, conhecer a riqueza dos novos governantes é legítimo que o cidadão desconfie das acções do Titular do Poder Executivo, acusando-o da manutenção do peculato, nepotismo e, pasme-se, da corrupção, nos corredores do poder.
Por esta razão, não temendo e baseado na sua autoridade moral, o Presidente da República, João Lourenço, para se distinguir de José Eduardo dos Santos, seu inimigo figadal, deve ter a coragem de apresentar, publicamente, a Declaração de Bens e explicar, como através de salário de governador, político, militar de gabinete, deputado e ministro da Defesa, adquiriu a actual fortuna e o património imobiliário rural, que o colocam como um dos latifundiários do país que mais cresceu, nos últimos três anos, incluindo com a implantação de fábricas, nas fazendas.
A ausência deste dispositivo leva os autóctones ao cepticismo, quanto a um eficaz combate à corrupção, principalmente, quando se sente que o poder adora mais o terror, o sangue, as bombas, do que as pessoas, dada a avareza com os gastos públicos, em sectores não produtivos, como a Segurança de Estado, a Polícia e as Forças Armadas, partidocratamente, subjugadas, que viu ser aumentado o plafond, mais especificamente das secretas, através de um crédito adicional de 2.677 milhões de kwanzas (3,4 milhões de euros) para o pagamento de despesas do SINSE (Serviço de Informação e Segurança do Estado), refere um diploma do 01.12 publicado no Diário da República.
É isso que leva a juventude descrente a manifestar-se, nas ruas, mesmo com as pancadas, mordidelas caninas, pisadas de cavalos e a estrela, sempre acompanhada por uma catana, na bandeira, quantas vezes sanguinária, mesmo se os jovens estiverem, como foi o caso, a entoar o hino nacional de viés partidário, não deixaram de ver, na testa, bala assassina, disparadas por arma policial, banhadas, em ouro, de suprema impunidade, quando todos estavam desarmados, apenas transportavam, as estrelas das liberdades, as bandeiras do desemprego, das eleições autárquicas, baixa do preço dos produtos básicos, eliminação de impostos, por macularem o sonho de um futuro melhor.
É uma luta estóica, verdadeira cruzada em prol de uma nova independência, mais plural, inclusiva e participativa, em detrimento do autoritarismo que discrimina e não se coíbe de assassinar os próprios irmãos para se manter no poder.
Ascensão, ditadura e queda de Abimeleque
A bíblia é fértil em retratar experiências vividas, em lugares, épocas distantes, mas actuais, como o caso do livro Juízes 9:1, que traz a história do rei Gideão, que liderou o povo de Israel, que vaticinou, no final do seu mandato, não ser substituído, por nenhum dos seus 70 filhos, mas por uma liderança divina, capaz de conduzir o povo, diante de todos os desafios, como nação forte e unida.
Mas quando Gideão faleceu, não se cumpre a profecia, pois um dos filhos, feito com uma concubina, Abimeleque, que cresceu revoltado e se considerava discriminado, resolveu tornar-se rei, mas para consolidar o consulado teria, não só de fazer alianças espúrias, como matar a concorrência: os irmãos.
Como não há crimes perfeitos, Jotão, um dos irmãos, o cassule, conseguiu fugir e esconder-se da matança real e vai falar aos cidadãos de Siquém e à casa de Milo, contando-lhes uma parábola sobre árvores, que foram convidadas a reinar e cada uma se recusou, até que apareceu um espinheiro que aceitou.
Este, poderia ser comparado com Abimeleque, que era um homem vingativo e ambicioso, que antes já havia convencido os cidadãos de Siquém e da casa de Milo, para o aceitarem, como rei ao invés dos setenta irmãos. Na altura, alegou ter a mãe nascido naquele povo, logo ele tinha sangue deles, pelo que lhe deveriam dar apoio, para se tornar rei e, assim foi.
Mas Jotão antes de abandonar a aldeia contou a história de árvores, úteis, frutíferas, vistosas e formosas: oliveira; figueira; videira, que convidadas pelas outras árvores a governar se negaram, alegando várias razões, mas uma quarta, o espinheiro aceitou, desde que todos ficassem à sua sombra, mesmo não tendo ele galhos para tal.
A oliveira é das mais valiosas, existindo numerosos na Palestina e dizia que era importante na produção de azeite, cujo azeite dava luz artificial (Êx 27:20) e era usado como alimento, manjares, o fruto comido, a madeira, usada em construções e as folhas simbolizam a paz.
A figueira, famosa pela sua doçura, alegou, também, ser o seu fruto muito consumido, ter ramos frondosos forneciam um excelente abrigo (ISm 25:18). Adão e Eva usaram folhas de figueira para cobrir a sua nudez (Gn 3:6,7) e os seus figos são os primeiros frutos mencionados na Bíblia.
A videira era igualmente estimada por causa dos seus imensos cachos de uva, que produziam o vinho — grande fonte de riqueza na Palestina (Nm 13:23). O “vinho, que alegra Deus e os homens”. Sentar-se debaixo da videira e figueira era uma expressão proverbial que denotava paz e prosperidade (Mq 4:4).
E diante de tanta negação dos bons, eis que o espinheiro, um poderoso arbusto que cresce em qualquer solo, não produz frutos valiosos, os ramos não servem de abrigo, a sua madeira é usada pelos habitantes como combustível, logo o espinheiro é sanguinário, pela sua natureza inflamável, uma vez poder facilmente, em pouco tempo, ser consumido, aceitou o desafio, exigindo, “ab initio”, que todos se colocassem debaixo das suas pálidas e ausentes folhas.
Quer dizer, o nobre rei Gideão e os seus 69 respeitáveis filhos ao rejeitarem o reino que lhes fora oferecido, gesto que sem se aperceberem, constituiu um tapete vermelho, vingativo e maldoso para Abimeleque, que chegado ao poder, se portou como espinheiro incómodo, feroz destruidor, ateando fogo ao longo da sua tumultuosa caminhada.
Uma bandeira de obsessões, que destruiria, também, alianças entre os próprios homens perversos, causando danos irreparáveis ao povo.
Infelizmente, embora a habilidade de Jotão tenha sido escutada, no emprego da parábola das árvores e atraído a maioria dos homens de Siquém, levando-os a reflexão, a tolice criminosa deles, não os fez arrepender-se de tamanhas perversidades.
Os “siquemitas” não proferiram sentença contra si próprios, como fez Davi após ouvir a tocante parábola de Nata, ou como fizeram muitos dos que ouviram as parábolas de Jesus (Mt 21:14). A eloquência eficaz é a que leva o coração a agir, mas os que escutaram a parábola de Jotão mantiveram-se passivos, ante o sanguinário e monstruoso reinado de Abimeleque.
A lição a tirar é clara: “O doce contentamento com a nossa esfera de actuação e o privilégio de estarmos na obra de Deus, no lugar em que Ele, nos colocou e a inutilidade da cobiça por mera promoção”, leva-nos, por vezes, a abdicar de uma função de nobreza maior, abrindo com isso, comportas a incompetência e aos incendiários, como o fizeram a oliveira, a figueira e a videira.
O espinheiro, a mais insignificante das árvores, dispôs-se a reinar sobre as árvores e todas elas estavam dispostas a prestar-lhe submissão, uma vez os seus espinhos representarem a maldição do pecado, pois dele sai o fogo que consome a todos.
Em face de um consulado atribulado o povo apelava por justiça, bom-senso, para que Deus, reconhece-se, que mesmo estando o povo a acovardar-se, sendo incompetente e desleal, era injusto, continuar a deixar, Abimeleque reinar e cometer tantas atrocidades contra o povo.
E, diante de tanta desgraça, as palavras proféticas de Jotão começaram a cumprir-se e logo esboça-se a rota da inversão e destruição da terrível praga causada pelas partes maldosas.
Um bem gizado plano e uma maldição divina é lançada para, inicialmente, Abimeleque começar por destruir Siquém, a casa de Milo, para depois, a casa de Milo e Siquém aniquilarem Abimeleque. Infelizmente, através de um traidor, este toma conhecimento da intentona e reunindo dinheiro do reino, forma quatro exércitos, da mesma estirpe, contrata delinquentes, homens violentos e mercenários, para o servirem, começando por atacar e destruir Siquém, iniciando de seguida, uma impiedosa caça aos seus inimigos até que, numa perseguição, já perto de comemorar o triunfo, diante de uma torre forte, que pretendia atear fogo, uma mulher, apercebendo-se, da macabra intenção, pega numa pedra de moinho e arremessa-a contra o crânio de Abimeleque, causando-lhe um grande e grave ferimento.
Apercebendo-se estar a morrer, com vergonha de tal ocorrer, pelas mãos de uma mulher, pede a um dos fiéis guarda-costas, que lhe desferisse, um forte golpe, com a sua espada. Encerrava-se assim uma triste e lamentável história de terror.
Resumindo, foi em cima de pedras que Abimeleque matou os seus 68 irmãos, à excepção de Jatão e, ironia do destino, justamente uma pedra quebraria, também, o seu crânio.